Profissionais da Dux Administração Judicial discorrem acerca do critério temporal para a concessão do pedido de recuperação judicial
Notícia - (08/03/2023)
Quantas vezes uma empresa pode pedir recuperação judicial?
Texto escrito por: Diogo Siqueira Jayme, Gustavo A. Heráclio Cabral Filho e Letícia Marina da S. Moura.
Como muito esperado no mundo empresarial: a Oi (OIBR3) entrou com novo pedido de recuperação judicial na madrugada desta quinta-feira (02/03/2023). Atualmente, o passivo concursal do Grupo Oi é de R$ 43.704.638.518,15 (quarenta e três bilhões setecentos e quatro milhões seiscentos e trinta e oito mil e quinhentos e dezoito reais e quinze centavos), sendo 2,32% da Classe I - Trabalhista (R$ 1.010.408.708,18); 97,47% da Classe III – Quirografário (R$ 42.597.789.846,49) e 0,22% na Classe IV – ME/EPP (R$ 95.398.828,06).
No início de fevereiro do corrente ano (02/02/2023), o Grupo obteve uma decisão favorável perante a 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro-RJ em seu pedido de tutela para antecipar parcialmente os efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial, protegendo-a contra as dívidas após o encerramento de sua recuperação judicial, em 15 de dezembro de 2022.
A decisão cautelar consignou que o primeiro processo de recuperação judicial do Grupo Oi “tornou-se um marco histórico para o direito falimentar brasileiro, conforme amplamente conhecido e divulgado no mundo jurídico e empresarial, e consagrou indelevelmente, na prática, o princípio da preservação da empresa em sua integralidade, na medida em que a Companhia, um dos maiores grupos empresariais de nossa economia, manteve-se como geradora de milhares de empregos e permaneceu adimplente com o pagamento de cifras bilionárias de impostos para os cofres públicos”.
Durante os 6 (seis) anos de tramitação do procedimento recuperacional supra, além das medidas ajustadas no plano de recuperação, a devedora narra que também se socorreu do mercado para captar vultosos recursos para cumprir suas obrigações e manter a operação de ativos – com vistas a assegurar sua reestruturação no mercado brasileiro e realizar os pagamentos dos mais de 35.000 (trinta e cinco mil) credores.
A Oi entrou em recuperação em 2016, com dívidas de R$ 65,4 bilhões. Em 2020, o Poder Judiciário aprovou a divisão dos ativos da companhia em cinco Unidades Produtivas Isoladas (UPIs), colocadas à venda, entre elas o serviço de operação móvel[1].
Inobstante a substancial redução do seu bilionário endividamento, atualmente, a Devedora aponta que alguns fatores setoriais e imprevisíveis teriam voltado a ameaçar os ativos e a operação da empresa, diante de uma relevante dívida financeira cujo vencimento se aproxima, o que teria ocasionado a propositura do pedido de tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de processo recuperacional.
Iniciou-se, a partir do deferimento da cautelar, o prazo improrrogável de 30 (trinta) dias corridos, para apresentação do pedido de recuperação judicial, devidamente instruído na forma do art. 51 da Lei 11.101/2005, a teor da norma prevista no art. 303, I do CPC, sob pena de perda imediata da eficácia da antecipação dos efeitos do deferimento de processamento da recuperação judicial, bem como das medidas liminares concedidas.
Dentro do prazo previsto, o Grupo apresentou o seu novo pedido acrescentando que “outros fatores imprevisíveis tornaram imprescindível a implementação de uma nova etapa de sua reestruturação, tais como: (i) a elevada adesão à oferta pública de aquisição obrigatória prevista nas notes com vencimento em 2026; e (ii) a frustração do recebimento de parte relevante da operação de alienação da UPI Ativos Móveis, no valor aproximado de R$ 1,5 bilhão, em função de procedimento de disputa aberto pelas compradoras da UPI, e que se encontra em procedimento arbitral”.
Como medida para assegurar o fôlego da atividade econômica desenvolvida pelo Grupo, além das medidas legais previstas pela Lei n° 11.101/2005, as Requerentes indicaram como providências essenciais: (i) a preservação das cartas fiança e dos seguros garantia prestados pelas instituições financeiras e seguradoras para garantir as inúmeras execuções judiciais movidas contra as empresas que integram o Grupo e (ii) a expedição de aviso a todos os juízos sobre a manutenção da sistemática para controle de penhoras nas execuções fiscais.
Para além do mérito do novo pedido de recuperação judicial, que foi apresentado cerca de três meses após o encerramento da primeira recuperação judicial, levanta um questionamento para boa parcela da população: quantas vezes uma empresa pode pedir recuperação judicial?
A lógica da recuperação judicial: ferramenta de reorganização empresarial
Na iminência de completar 800 dias de vigência, a Lei n° 14.112/2020 promoveu substanciais alterações no sistema de insolvência empresarial brasileiro. Não obstante, retornando o olhar às origens do nosso ordenamento, as bases legais das boas práticas de tratamento de créditos em situação de crise adotadas pelo país remontam dos documentos produzidos antes mesmo da edição da legislação vigente.
A evolução legislativa nos séculos XIX e XX se deu no sentido de abrandar a penosidade da falência, especialmente porque as crises econômicas que se sucederam provocaram uma multiplicidade de falências casuais, o que estimulou o movimento de separação dos destinos das pessoas físicas e das empresas insolventes, dando origem ao que se convencionou chamar de “preservação/recuperação da empresa”[2].
Dando um salto histórico, a perspectiva moderna consagra a noção de que um sistema de insolvência empresarial moderno deve estimular soluções de mercado negociadas entre credores e devedores e oferecer mecanismos que possibilitem a reorganização da empresa. Na lição de Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (2021)[3], infere-se, brilhantemente, que:
[...] A reorganização pode representar uma solução melhor não apenas para o devedor, mas principalmente para os credores e demais envolvidos (stakeholders) como empregados, por exemplo. Isso porque, a liquidação (representada no direito comercial pela falência) no mais das vezes, implica em perda do sobrevalor que a organização e a atividade agregam aos bens da empresa (goodwill). Em outras palavras, o valor da empresa liquidada pode ser significativamente inferior ao seu valor em atividade (on going concern). E com um valor maior, no mínimo é possível satisfazer um número maior de interesses, principalmente, dos credores.
Nesse ponto, considera-se, ainda, o papel social exercido por uma sociedade empresária, seja em maiores ou menores escalas econômico-financeiras, o que é refletido expressamente nos objetivos do instrumento de recuperação judicial: manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47 da Lei n° 11.101/2005).
Para a concessão do instrumento, formalmente, o empresário ou sociedade empresária deverá atender aos requisitos do art. 48 da Lei n° 11.101/2005: (i) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; (ii) não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; (iii) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte; e (iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei n° 11.101/2005.
Em suma, a Lei n° 11.101/2005 traz em seu bojo as condições essenciais da ação, traduzindo elementos de possibilidade jurídica do pedido de recuperação judicial.
Atenta às particularidades em tela, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LREF) não determina quantas vezes é possível realizar o pedido de recuperação judicial: apenas aponta a necessidade de que o pedido anterior não tenha sido feito nos últimos cinco anos, conforme preconiza o art. 48, II e III da Lei n° 11.101/2005.
Por oportuno, a recuperação judicial a que se refere a Lei é aquela concedida na forma do art. 58[4], não devendo ser confundida com a decisão que defere o processamento da recuperação, na forma do art. 52[5][6]. Nesse sentido, mesmo que tenha havido interposição de agravo contra a decisão concessiva (art. 59, § 2º da LREF), o prazo permanece sendo contado a partir da concessão.
Sob o viés prático, a questão abre brecha para um novo questionamento: nos casos em que há apresentação de aditivos ou mesmo um novo plano de recuperação judicial no procedimento anterior, qual é o marco temporal a ser considerado para o novo pedido de recuperação judicial?
Rememora-se, nesse ponto, que o art. 53 da Lei n° 11.101/2005 determina que o credor apresente o plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias e, no caso de haver objeção de algum dos credores, que seja convocada assembleia geral de credores para deliberar a respeito de seus termos (art. 56 da LREF). Assim, uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, a Lei de regência não mais cuida da possibilidade de novas deliberações acerca de seu conteúdo.
Dessa forma, muito embora a doutrina e a jurisprudência tenham passado a admitir a apresentação de modificações e aditivos ao plano original, o entendimento é de que não há, propriamente, uma ruptura da fase de execução (REsp nº 1853347/RJ (2019/0206278-0)[7], razão pela qual, por uma aplicação analógica, não teriam o condão de alterar o termo legal estabelecido pelo art. 48, II da LREF.
Dentro da doutrina clássica, o critério temporal foi objeto de diversos entendimentos, contribuindo, certamente, para o enriquecimento dos debates acadêmicos e práticos sobre a questão:
“[...] os incisos II e III impõem um intervalo mínimo entre pedidos de recuperação judicial. Trata-se de requisitos objetivos que pouco colaboram para a eficiência do instituto (como visto em outros casos). Não há subsídio para presumir que um devedor que sai de uma recuperação judicial não entrará em nova crise, pelos mais variados fatores, em espaço de tempo menor. A pandemia de Covid-19 ocorrida em 2020 é prova disso. Empresas que tinham recém-saído de suas recuperações judiciais sofreram efeitos da crise econômica que se alastrou, mas, objetivamente, não poderiam utilizar-se da recuperação judicial por conta da rigidez do prazo”[8].
“[...] O terceiro é outro requisito temporal. Por ele, não se legitima ao pedido de recuperação judicial o devedor que a tenha obtido há menos de 5 anos. Se foi concedida a uma sociedade empresária a recuperação judicial nesse período (no quinquênio anterior), e está ela necessitando de novo socorro para reorganizar seu negócio, isso sugere falta de competência suficiente para exploração da atividade econômica em foco”[9].
“[...] O pedido de recuperação judicial da empresa não é possível quando, há menos de cinco anos, o empresário ou sociedade empresária tenha obtido concessão de recuperação judicial; esse período sobe para oito anos se a recuperação judicial tiver por base o plano especial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (artigos 70 a 72 da Lei 11.101/2005). O prazo conta-se da concessão de recuperação judicial, ou seja, não do aforamento do pedido (artigo 51), nem do deferimento do seu processamento (artigo 52) ou da sentença que decreta o encerramento da recuperação judicial (artigo 63). Em fato, o legislador fala em obtenção da concessão (... não ter [...] obtido concessão de recuperação judicial...); assim, o prazo deverá ser contado da decisão concessiva da recuperação judicial (artigo 58). Mesmo que tenha havido interposição de agravo contra a decisão concessiva (artigo 59, § 2o), o prazo será contado do deferimento; o recurso, posteriormente desprovido, não pode prejudicar o empresário ou sociedade empresária, lembrando-se que, sendo provido o agravo, haveria indeferimento da recuperação judicial e, consequentemente, decretação da falência do devedor. Essa posição é reforçada pelo artigo 61 que, ao fixar em dois anos o prazo no qual o devedor se manterá em recuperação judicial, toma como dies a quo para a sua contagem a concessão da recuperação judicial; também aqui não haveria razão para estender esse período em função da interposição de agravo e, eventualmente, de outros recursos (agravo regimental, recurso especial e/ou recurso extraordinário)[10].
Aplicando os conceitos supra à prática, resgata-se que a decisão que concedeu o pedido de Tutela de Urgência Antecipada enfrentou a questão posta sob enfoque. O Juízo considerou que a “apresentação formal da petição inicial na forma do art. 51 da Lei deverá ser formulada no prazo a ser estabelecido pelo juízo, o que ocorrerá após a ultrapassagem do quinquênio legal, que se exaure no próximo dia 05/02/2023, haja vista que a concessão da primeira recuperação se deu por decisão proferida no dia 05/02/2018”.
Assim, considerando-se que o pedido formulado pelo Grupo Oi pretende a produção dos seus efeitos a partir de 05/02/2023, data em que, findo o prazo de cinco anos, “configurar-se-ão os requisitos legais para o deferimento do processamento da segunda recuperação judicial, não havendo óbice, pois, para a antecipação postulada”.
Isto posto, partindo da realidade prática dos procedimentos de insolvência empresarial, em perspectiva, as tentativas de tutelá-la juridicamente, procurou-se jogar luz sobre a interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca do critério temporal para o novo pedido de recuperação judicial. As conclusões parciais aqui obtidas, antes de trazerem respostas definitivas, pintam um mosaico do cenário atual, visam, sobretudo, o convite a um debate mais aprofundado do tema.
Texto publicado em 07/03/2023 no Portal Migalhas. Veja a íntegra: https://www.migalhas.com.br/depeso/382560/quantas-vezes-uma-empresa-pode-pedir-recuperacao-judicial
[1] Recuperação judicial da Oi é encerrada após mais de 6 anos; ações disparam na bolsa. Portal G1 Notícias. 15 de dezembro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/12/15/recuperacao-judicial-da-oi-e-encerrada-apos-mais-de-6-anos.ghtml. Acesso em: 06 fev. 2023.
[2] TELLECHEA, Rodrigo. História do direito falimentar: da execução pessoal à preservação da empresa / Rodrigo Tellechea, João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli. São Paulo: Almedina, 2018.
[3] Comentários à Lei de Recuperação de Empresas [livro eletrônico] / Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, coordenador. – 1ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[4] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei.
§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
II - a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.
§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.
§ 3º Da decisão que conceder a recuperação judicial serão intimados eletronicamente o Ministério Público e as Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.
[5] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial [...].
[6] Nesse sentido é o alerta ofertado pelo Ilmo. Doutrinador Manoel Justino Bezerra Filho (Lei de recuperação de empresas e falência [livro eletrônico]: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo / Manoel Justino Bezerra Filho, Adriano Ribeiro Lyra Bezerra, Eronides A. Rodrigues dos Santos. - 7. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022).
[7] “No caso da apresentação de aditivos ao plano de recuperação judicial, o pressuposto é de que o plano estava sendo cumprido e, por situações que somente se mostraram depois, teve que ser modificado, o que foi admitido pelos credores. Assim, não há, propriamente uma ruptura da fase de execução”. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201853347. Acesso em: 6 fev. 2023.
[8] Comentários à Lei de Recuperação de Empresas [livro eletrônico] / Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, coordenador. – 1ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[9] Coelho, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de falências e de recuperação de empresas [livro eletrônico] / Fábio Ulhoa Coelho. – 5ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[10] Mamede, Gladston. Falência e recuperação de empresas / Gladston Mamede. – 13ª ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.